A propósito de um projeto de pesquisa sobre Cronicidade Psiquiátrica

Dr. Gustavo fernando Julião de Souza

Seria um tanto exaustivo proceder a uma revisão completa sobre o tema cronicidade psiquiátrica, assunto que por sinal vem despertando o interesse de vários autores vinculados a inúmeras linhas de pensamento, escolas e convicções teóricas não somente da Psiquiatria mas, também, de vários campos de estudo da área das Ciências Humanas.
Com efeito, a enorme complexidade do tema, as várias faces do fenômeno cronicidade psiquiátrica e as naturais controvérsias existentes no campo teórico propiciam muitas discussões, polêmicas e, mais ainda, terminam por dificultar uma delineação conceitual menos problemática daquele fenômeno. De mais a mais, pelo menos à primeira vista, parece de todo impossível depurar completamente qualquer resíduo ideologizante inerente ao próprio conceito de cronicidade psiquiátrica, principalmente se considerarmos somente o aspecto clínico-fenomenológico da questão.

* Projeto teórico de pesquisa em estudos na Coordenadoria Estadual de Saúde Mental na pessoa da Dra. Gisele Bahia e que demonstrou interesse em sua implementação operacional no Estado de Minas Gerais.
** - Médico Psiquiatra
- Supervisor Hospitalar do INAMPS/SUS
- Ex-professor de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Medicas de Minas Gerais <FELUMA)

De qualquer maneira, pensamos que, caso se consiga estabelecer com precisão a natureza e a intensidade das forças que interagem dinamicamente no interior daquele paciente psiquiátrico denominado crônico, não há duvida que se poderá obter uma isenção conceitual suficiente para desenvolver um trabalho de pesquisa que se mostre ilustrativo, útil e menos suscetível a críticas tendenciosas e sectárias.
Dito isto, uma pergunta naturalmente se impõe. Será possível delinear um esboço teórico que consiga não somente abarcar, pelo menos em parte, a complexidade do problema mas, também, mostrar-se útil para satisfazer as necessidades práticas de pesquisa e coleta de dados epidemiológicos institucionais, além de ajudar os psiquiatras e os demais integrantes das equipes de saúde mental a caracterizar e lidar de maneira adequada com os chamados pacientes psiquiátricos crônicos?
Para começar a responder esta indagação, teremos que estabelecer um padrão conceitual de cronicidade psiquiátrica de acordo com nossa experiência clínica e o cotidiano de uma função administrativa específica que desempenhamos e que é a Supervisão Hospitalar.
Em primeiro lugar, sabe-se, com certeza, que determinados tipos de enfermidades mentais denominadas psicoses endógenas podem evoluir cronicamente e desembocar em um estágio de demenciação grave e irreversível caracterizado por um comprometimento severo da vida afetiva e das funções cognitivas. Tal é o caso de algumas formas clínicas de psicose esquizofrênica, geralmente de inicio temporal precoce como a hebefrenia e a hebefreno-catatonia ou, mesmo, em alguns quadros mistos esquizoafetivos dotados de evolução clínica bastante desfavorável. Em alguns enfermos, mesmo com o emprego adequado da farmacoterapia e de técnicas e abordagens psicossociais, a doença evolui inexoravelmente para a cronificação processual acompanhada de uma enorme diversidade de sintomas que vão desde um profundo alheamento e apragmatismo até a auto e hetero-agressividade de difícil controle. Entretanto, naquelas formas clínicas mais brandas e de melhor prognóstico da esquizofrenia, sabemos muito bem, hoje em dia, da grande importância da exposição aguda ou prolongada dos pacientes aos chamados estressores psicossociais no que se refere à exacerbação ou reagudização de brotos psicóticos durante o curso clínico evolutivo dessa enfermidade. Em outras palavras, sabemos que intervenções terapêuticas de natureza psicossocial podem ser valiosas em muitos casos.
Uma segunda categoria de pacientes corresponde àqueles portadores de déficit intelectivo severo e que exibem alterações graves do comportamento em todas as suas modalidades acompanhadas de auto e hetero-agressividade e de embrutecimento ético e moral. Em um número variável de casos, esses pacientes podem manifestar, também, crises convulsivas associadas.
Em uma terceira categoria de pacientes enquadram-se aqueles com desestruturação orgânica da personalidade resultante de psicossíndromes orgânicas crônicas tais como traumatismos crânio-encefálicos, epilepsias, doenças degenerativas do sistema nervoso central e demências alcoólicas. Em muitos desses casos podem estar presentes auto e hetero-agressividade, além de destrutividade, porém em muitos outros constata-se, tão somente, extremo grau de dependência quanto a alimentação, cuidados de higiene pessoal e outras iniciativas cotidianas elementares.
A primeira categoria de pacientes, ou seja, a demenciação resultante da evolução desfavorável de algumas formas clínicas de psicoses endógenas corresponde ao tradicional conceito jasperiano de processo psíquico, enquanto a terceira equivale à noção de processo orgânico. De qualquer maneira, em todas essas categorias de pacientes podemos detectar uma miríade de condutas anômalas e socialmente desadaptadas que vão desde uma dependência extrema a cuidados pessoais elementares até fugas de casa, agressões, mutilações, violências, abusos sexuais, tentativas de auto-extermínio e, até, homicídios.
Desse modo, não há maiores dificuldades em caracterizar-se um estágio de cronificação das enfermidades mentais graves, levando-se em conta a visível deterioração das esferas cognitiva e afetiva nesses pacientes, comprometimento esse que se exterioriza de forma patente para qualquer observador, inclusive para os leigos. Não há dúvida de que muitos enfermos nessas condições nunca se submeteram a qualquer tipo de tratamento e, se algum dia o fizeram, ou o abandonaram precocemente ou receberam alta hospitalar e não o continuaram, vivendo, na maior parte das vezes, uma existência errante e miserável, sobrevivendo geralmente às custas da mendicância ou de furtos eventuais. Outros terminam por serem condenados pela justiça comum devido a uma enorme variedade de delitos de graus variáveis tais como vagabundagem, atentados ao pudor ou ameaças a ordem pública ou, mesmo, lesões corporais e homicídio. Um número menor de pacientes acaba por receber proteção de algumas comunidades, seja pelo seu temperamento plácido, seja pela divertida bizarrice de seu comportamento, convertendo-se, muitas vezes, em emblemas folclóricos dos locais onde são acolhidos.

Entretanto, é certo que todos esses casos guardam uma semelhança comum e que consiste na ausência absoluta da participação familiar na vida desses pacientes causada, muitas vezes, pela situação de verdadeira penúria sócio-econômica e pedagógica das famílias envolvidas e que costumam induzir uma completa indiferença em relação ao destino dos enfermos. Com efeito, o abandono e o desamparo familiar deixam o doente à mercê de sua própria sorte e sujeito a toda espécie de vicissitudes, violências e arbitrariedades que são cometidas, infelizmente, de modo assíduo.
Mas, e aqueles pacientes com as características clinicas de cronicidade nosológica como vimos há pouco e que são mantidos hospitalizados durante longos períodos de tempo e, ainda, que na maior parte das vezes perdem totalmente o contato com as suas famílias, seus amigos e suas comunidades de origem?
E aqueles outros que, apesar de não se enquadrarem nos critérios nosológicos de cronicidade psiquiátrica mas que, por um motivo ou outro, são rejeitados e abandonados por seus familiares e permanecem internados por um longo período completamente isolados do mundo?
Torna-se desnecessário dizer que, felizmente ou infelizmente, esses dois grupos de pacientes são os mais acessíveis e os menos problemáticos para a elaboração de um projeto de pesquisa sobre cronicidade psiquiátrica devido a algumas facilidades inerentes à própria situação de hospitalização que beneficiam o trabalho dos investigadores. Além disso, considerando-se o grande número de variáveis que interagem com o paciente estando ele fora do hospital, a análise da cronicidade psiquiátrica tornar-se-ia uma investigação extremamente complexa e, quiçá, inviável. Ao contrário, a situação do paciente hospitalizado implica na consideração de três vertentes conceituais que se interseccionam e interagem mutuamente e de forma dinâmica, quais sejam: a variável nosolôgica, a sócio-familiar e a institucional.
Esses três eixos, dimensões ou variáveis, na verdade, representam a totalidade de forças às quais todos os pacientes psiquiátricos hospitalizados estão submetidos e que se configuram, de maneira especial, naqueles internados durante longos períodos e que receberam diagnóstico psiquiátrico de cronicidade.
Já discorremos rapidamente a respeito da dimensão ou eixo nosológico, enfocando, através da visão clnico-fenomenológica, os principais quadros psiquiátricos que levam a uma deterioração progressiva e irreversível da vida psíquica. Agora ocupar-nos-emos da análise da participação institucional no processo de cronificação psiquiátrica como um todo.
Os pacientes agudos, de maneira geral, pelo fato de receberem alta hospitalar após um curto período de internação, tempo suficiente para que haja a remissão completa do quadro psiquiátrico, não desenvolvem um comprometimento definitivo de sua personalidade - em interação com sua nosologia - decorrente da exposição institucional prolongada. Ao contrário, nos pacientes psiquiátricos crônicos verificamos a incorporação de hábitos, rotinas e peculiaridades de comportamento próprios das instituições onde estão inseridos, induzindo uma verdadeira tipificação de modos de ser e de atitudes. No caso de um paciente acometido de um surto psicótico agudo, por exemplo, a realidade institucional pode, pelo menos em um primeiro momento, ser-lhe benéfica à medida que certas rotinas e normas disciplinares próprias daquela são significadas como marcos nítidos e incontestáveis do mundo externo, contribuindo, desse modo, para o fortalecimento de seus juízos de realidade. É evidente que nada há de melhor para um senso de realidade débil e oscilante do que alguns dados sensoriais inquestionáveis que reforcem, emblematicamente, a situação terapêutica em sua dimensão simbólica mais concreta e inequívoca.
Entretanto, uma exposição institucional prolongada pode ocasionar a tipificação institucional e que consiste no verdadeiro instrumento de massificação definitiva dos pacientes. Ora, nada mais indesejável e nocivo do que isso no sentido de propiciar a paralisação do desenvolvimento e maturação dos setores sadios da personalidade do paciente. Desse modo, se, em um primeiro momento, a inserção institucional funcionou, como já vimos, à maneira de um verdadeiro "corte institucional" no sentido de proporcionar ao paciente a imagem reificada de sua patologia e da necessidade de tratamento, esse fato a longo prazo ira propiciar, fatalmente, a cristalização da consciência de enfermidade definitiva vinculada a sentimentos de desinteresse, de inutilidade e de desesperança. A cronificaçao institucional, dessa forma, caminha lado a lado com o processo de massificação e se caracteriza pelo gradual esvaziamento da diversidade de opções, escolhas, desejos e projetos pessoais, desembocando em um estágio de diluição da individualidade e inserção definitiva do paciente no microuniverso normativo hospitalar Assim, haverá a introjeção exclusiva da dimensão normativa institucional, a princípio naturalmente desalentadora, rígida e repetitiva, induzindo não mais que passividade, isolamento e distanciamento do paciente em relação às perspectivas potenciais do futuro.
A título de ilustração, tome-se como exemplo um caso de psicose esquizofrênica com a sua costumeira evolução clínica desfavorável. Pode-se imaginar como a participação institucional a longo prazo pode vir a exacerbar os chamados sintomas negativos da esquizofrenia, tais como apragmatismo, autismo e indiferença. A falta de um projeto terapêutico específico para esse caso hipotético, a ausência de visitas dos familiares ou de qualquer outro estímulo ou reforço positivo externo acentuará, sem dúvida, o alheamento do paciente, a precariedade de sua linguagem verbal e gestual e o seu isolamento do mundo. Para agravar tal situação, sabe-se que muitos psiquiatras e outros profissionais da área de saúde mental manifestam atitude terapêutica de cômoda indiferença em suas prescrições, freqüência de visitas e elaboração de projetos terapêuticos para os pacientes já diagnosticados como crônicos, traduzindo em suas atitudes e rotinas assistenciais uma espécie de descaso carregado de ceticismo, uma desesperança pachorrenta em relação a casos considerados antes de tudo como incuráveis. Em contrapartida, qualquer psiquiatra que sempre se interesse vivamente por todos os seus pacientes e que nunca se negue a utilizar todas as possibilidades terapêuticas próprias para cada caso, certamente terá algumas agradáveis surpresas. Sem dúvida, não são poucos os pacientes previamente diagnosticados como crônicos e que, após uma revisão detalhada do projeto terapêutico e da conseqüente implantação de novos esquemas de farmacoterapia, terapias biológicas e outras formas de abordagem sócio-familiar, manifestam melhora surpreendente.
Dessa maneira, a instituição pode, em princípio, contribuir para a recuperação e cura do enfermo mental mas pode, também, participar na manutenção e até na piora do quadro psíquico, acelerando o processo irreversível de cronificação. Quanto a isso, não há dúvida de que existem, incrustados no corpo institucional, alguns elementos positivos ou integradores agindo lado a lado de outros negativos ou desintegradores da saúde mental, sendo que a viabilidade do êxito de qualquer instituição como instrumento restaurador do equilíbrio psíquico dependerá da predominância absoluta dos primeiros operando dinamicamente. Por exemplo, uma determinada instituição poderá reforçar uma demanda sócio-familiar exagerada no sentido de requerer a hospitalização extremamente demorada e até definitiva de um paciente. Em outras palavras, o desejo da família em desembaraçar-se definitivamente do enfermo poderá ser concretizada pela instituição. Esta, através de escassa autorização de visitas, da falta de informações claras e suficientes a respeito da evolução do quadro psíquico, da ausência de entrevistas com os familiares e/ou com membros da comunidade de origem, da inexistência de programas de reabilitação e de ressocialização e do pequeno número de visitas médicas, todos elementos desintegradores da saúde mental, estará, sem dúvida, reforçando a exclusão institucional definitiva de um paciente. A falta de interesse e de empenho da instituição aliar-se-á, desse modo, ao desinteresse e indiferença da família de origem. Em contrapartida, a transparência e clareza dos tratamentos efetuados, a convocação e orientação constante dos familiares, a implantação de programas de reabilitação e ressocialização, a utilização das técnicas de grupos operativos, o acompanhamento médico diário, as discussões e esclarecimentos a respeito do diagnóstico e prognóstico dos casos consistem em elementos institucionais integradores da saúde mental que, forçosamente, tenderão a diminuir sobremaneira tanto a demanda sócio-familiar como, também, a demanda nosológica.
Dito isso, penso que este é o momento adequado para propor a apresentação de um modelo gráfico capaz de permitir a visualização esquemática dos conceitos emitidos até agora e que irá suscitar o desenvolvimento e o desdobramento de novas discussões teóricas até o posterior estabelecimento de um mecanismo teórico-prático definitivo destinado a apreensão e coleta de dados objetivos para o trabalho de pesquisa. Tal modelo gráfico consiste no que se segue:


Vê-se, panoramicamente, como o paciente (P) internado está submetido a uma série de forças que, em resumo, consistem na morfologia de sua própria enfermidade, na instituição em que recebe tratamento e nas variáveis sociais e familiares que subjazem ao seu adoecer psiquico. Pode-se observar que a abscissa à esquerda corresponde à demanda sócio-familiar e que a situada à direita equivale à demanda nosológica, isto é, ao quadro puramente psiquiátrico com ênfase para a constelação psicopatológica, o diagnóstico e o prognóstico. Mais, ambas são pontuadas em um espectro quantitativo progressivo que varia de O (zero) a ¥ (infinito) com sinal - (negativo) ou + (positivo), respectivamente. Ainda, a ordenada Instituição até a intersecção com a abscissa em sua parte superior corresponde a um espectro numérico de pontuação que equivale ao sinal + (positivo) ou - (negativo) e que abrange os fatores institucionais integradores, enquanto em sua parte inferior com sinal - (negativo) ou + (positivo) contém aqueles elementos institucionais desintegradores. É necessário esclarecer, entretanto, que os sinais + (positivo) e - (negativo) adscritos às pontuações das ordenadas possuirão duas equivalências distintas, quer se refiram aos elementos institucionais integradores ou aqueles desintegradores. Por exemplo, os elementos institucionais integradores, após constatados e coletados, possuirão sinal algébrico - (negativo) em relação à demanda nosológica, ao passo que adquirirão sinal algébrico + (positivo) em relação à demanda sócio-familiar. O inverso se pode estabelecer quanto aos sinais algébricos estritos adscritos aos elementos institucionais desintegradores. Terão sinal - (negativo) em relação à demanda sócio-familiar e + (positivo) no que se refere à demanda nosológica. Tal convenção, apesar de aparentemente complexa, deve-se ao fato de que os elementos institucionais integradores tenderão, na operação numérica final, a diminuir quantitativamente tanto a demanda sócio-familiar como a nosológica, enquanto os elementos institucionais desintegradores aumentarão quantitativamente as respectivas demandas. Talvez seja mais fácil dizer que os sinais algébricos adscritos aos valores quantitativos dos elementos institucionais integradores serão inversos aos das respectivas demandas, ao passo que os adscritos aos dos elementos institucionais desintegradores serão consonantes àqueles.
Podemos notar que, imperceptivelmente, estamos considerando o terceiro eixo estabelecido que interage dinamicamente com os dois anteriores e que consiste na chamada demanda sócio-familiar, correspondendo a estratégias e forças integradoras e desintegradoras da família de origem, extremamente importantes no processo de desencadeamento e manutenção da patologia do enfermo e que agora intermediam as forças e estratégias da instituição. A princípio, é de se esperar que haja um encadeamento ou um encaixe entre as vivências anômalas dos pacientes e os distúrbios do comportamento relatados, configurando-se, assim, uma concordância ou coerência entre a demanda nosológica e a demanda familiar. Em outras palavras, quanto mais grave for o quadro psiquiátrico, mais premida estará a família quanto à necessidade da permanência do paciente no hospital. Ao contrário, quanto mais brando for o quadro psiquiátrico, menor seria a demanda familiar, isso pelo menos teoricamente. Assim, grosso modo, sempre deveria haver uma concordância entre a demanda nosológica e a sócio-familiar. Contudo, não é exatamente isto que constatamos na prática. Temos a oportunidade de detectar pacientes com quadros psiquiátricos muito graves, mas cujas famílias mostram-se extremamente interessadas e empenhadas no trabalho terapêutico de sua recuperação, sempre potencialmente disponíveis para dele participar de alguma maneira. Por outro lado, amiúde, deparamo-nos com pacientes hospitalizados e totalmente assintomáticos, ansiosos para retornar ao convívio sócio-familiar mas, infelizmente, de todo abandonados por suas famílias. Estes dois exemplos díspares talvez se prestem a demonstrar a utilidade prática do modelo gráfico que estamos propondo. No primeiro caso, poderíamos quantificar a demanda nosológica como tendendo ao infinito e a sócio-familiar próxima de 0 (zero) e no segundo exemplo, ao contrário, a demanda nosológica eqüivaleria a 0 (zero) e a familiar tenderia ao infinito. Sem considerarmos os pesos relativos aos elementos institucionais integradores ou desintegradores atuando nos dois casos, podemos afirmar que o primeiro equivaleria, quantitativamente, a + ¥ e o segundo a - ¥ . Pois bem, não é difícil imaginar uma infinidade de exemplos muito diversos e que se situariam de forma intermediária na tabela do modelo gráfico.
Até agora discorremos sobre as demandas nosológica e sócio-familiar de forma rápida e mais ou menos genérica. Torna-se necessário, contudo, defini-las de modo preciso, delineando os seus componentes potencialmente mensuráveis no sentido de se efetuar a coleta de dados.
Quanto à demanda nosológica, teremos que considerar toda a enumeração das vivências subjetivas anômalas do paciente, os critérios evolutivos, o diagnóstico final, os resultados de testes psicológicos e outros exames complementares que se fizerem necessários, os registros dos atendimentos da Psiquiatria, da Psicologia, da T.O e do Serviço Social, além dos relatórios da Enfermagem e de possíveis intercorrências atendidas pelos plantonistas. A finalidade da análise de todos esses dados será estabelecer, da forma mais precisa possível, o diagnóstico definitivo e o prognóstico de cada caso, ou seja, o seu nível de gravidade e de complexidade. Poder-se-ia sugerir uma pontuação que elevasse os seus pesos numéricos de acordo com as nosologias catalogadas no (CID) 10, por exemplo, estabelecendo-se uma pontuação maior em quadros psicóticos, demenciais e assim por diante.
No que se refere à demanda sócio-familiar, torna-se necessária toda a enumeração dos distúrbios de comportamento do paciente induzindo vários padrões de desadaptação social e familiar, além do registro dos relatos e depoimentos dos familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, o estabelecimento do nível sócio-econômico da família de origem, a pesquisa de possíveis indiciamentos judiciais do enfermo, a investigação dos profissionais quanto ao número de internações e sobre a aceitação ou não de medicamentos pelo paciente em seu domicílio. Em suma, trata-se de detectar o nível de comprometimento familiar em cada caso. Quanto à pontuação, parece óbvio que se tornaria mais elevada à medida que se constatasse mais e mais fatores agravantes que traduzissem sobrecarga e desestruturação familiar.
Por último, cabe revisar aqueles elementos institucionais integradores e desintegradores de saúde mental, sobre os quais já começamos a discorrer e caracterizar na página 8. De maneira geral, além daqueles já citados, podemos considerar como elementos integradores institucionais todas aquelas exigências de pessoal e de conforto material contidas na Resolução n.º 435 da SES de Minas Gerais datada de 29 de dezembro de 1992. Sem dúvida, trata-se de normas que, caso sejam realmente concretizadas, promoverão o aprimoramento mínimo da assistência em saúde mental aos pacientes internados. Ainda, poderíamos adicionar a compatibilidade entre a prescrição médica e o quadro clínico do paciente dentre os elementos institucionais integradores, ao passo que a forma de remuneração ao médicos denominada "pro-labore" aos elementos institucionais desintegradores. Com efeito, a forma peculiar que remunera o médico pelos seus serviços prestados ao paciente internado pode propiciar que a permanência prolongada do paciente no hospital se deva menos a uma necessidade médica do que a um simples exercício de lucro contábil.
É de se supor que a pontuação de todos esses itens consista em um trabalho multiprofissional minucioso e extremamente laborioso. Entretanto, não vejo nenhuma alternativa senão quantificar pacientemente e de maneira adequada todos aqueles elementos institucionais que ou contribuem decisivamente para a recuperação dos pacientes ou ensejam a sua cronificação.
Pois bem, está terminada a primeira parte do presente trabalho, qual seja a apresentação do modelo gráfico de uma concepção teórica visando o estabelecimento da metodologia, sob a forma de uma configuração ternária, através de três eixos ou dimensões básicas e axiais (demanda sócio-familiar, demanda nosológica e elementos integradores ou desintegradores institucionais), faltando, evidentemente, a discriminação de todos os pesos particulares nominativos para a pontuação geral.
Com base naquele modelo gráfico teórico, poderemos chegar aos resultados efetivos através da visualização da coleta de dados, ou seja, da elaboração de gráficos sob a forma de uma configuração binária visando a apresentação da metodologia aplicada. Tais gráficos consistiriam em uma abscissa que corresponderia à somatória geral da demanda nosológica em interação com os elementos institucionais integradores e desintegradores e em uma ordenada que, por sua vez, eqüivaleria à somatória da demanda sócio-familiar em interação com aqueles mesmos elementos institucionais. Poderemos, assim, visualizar o modelo binário como o gráfico padrão que se segue:


Onde, Dsf = Demanda Sócio Familiar
Dn = Demanda Nosológica
Fi =Fatores Institucionais Integradores
Fd = Fatores Institucionais Desintegradores


Provavelmente, a curva ideal seria aquela que correspondesse à distribuição estatística eqüitativa (média) e que talvez apresentasse a seguinte configuração:

No entanto, isto é apenas uma conjectura e cabe aos profissionais, em primeiro lugar, quantificarem os ítens do projeto e, depois, iniciarem a coleta dos dados.

De qualquer maneira, não podemos deixar de imaginar e indagar quais seriam os traçados gráficos encontrados nos diversos hospitais psiquiátricos, expressando os perfis sócio-familiares e nosológicos dos próprios pacientes, além das esperadas mazelas institucionais.

Finalizando, podemos dizer que o presente projeto assemelha-se a um determinado mecanismo cuja viabilidade terá que ser testada e nada melhor para começá-lo do que acertar os seus ponteiros quantitativamente.

Belo Horizonte, junho de 1993