CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOPATOLOGIA DA APRESENTAÇÃO

Souza, Gustavo. F. J.*

*Médico Psiquiatra

Preceptor da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG

Resumo:

A apresentação do paciente com transtornos psiquiátricos possui um inestimável valor para que o médico possa estabelecer uma primeira hipótese diagnóstica que se confirmará ou não de acordo com a observação cuidadosa da evolução clínica dos enfermos. Desse modo, é necessário que o examinador exercite continuamente a acuidade da apreensão fenomenológica das vivências anômalas, assim como de sua atenção a detalhes minuciosos da apresentação dos pacientes. Para cumprir esse intento, o autor, no presente artigo, procura enumerar as características principais exibidas na apresentação clínica das mais importantes condições nosológicas detectadas no cotidiano do exercício da prática psiquiátrica, pretendendo, com isso, contribuir para facilitar a precisão do diagnóstico efetuado.

Unitermo: Psicopatologia da apresentação

Introdução:

O exercício do diagnóstico na clínica psiquiátrica do dia a dia não costuma ser tarefa das mais fáceis. Ao contrário, consiste em um trabalho árduo, geralmente de singular complexidade, devido às inúmeras variáveis envolvidas no quadro clínico e que o profissional é obrigado a avaliar cuidadosamente. Assim, para cada caso estudado, personalidade pré-mórbida, temperamento, gostos, preferências, visão de mundo, hábitos, peculiaridades individuais, história pessoal, incluindo passado médico, eventos biográficos importantes, antecedentes familiares, estressores psicossociais eventuais, situação conjugal e familiar, desempenho social e ocupacional, além de elementos psicodinâmicos detectáveis, consistem em dados semiológicos indispensáveis para a construção de um raciocínio clínico sólido e plausível.

Somente dessa maneira, o psiquiatra terá condições de formular um diagnóstico adequado ao caso em estudo, traçando, consequentemente, um planejamento terapêutico que se mostre eficaz e resolutivo até onde seja possível. Além disso, é essencial uma observação minuciosa e acurada do paciente sob a forma de uma prática contínua e permanente de apreensão fenomenológica de suas vivências, de captação empática de seus estados psíquicos e do registro sensível e pormenorizado de elementos semiológicos pertencentes ao âmbito de sua apresentação, contato verbal, consciência objetal e do eu, afetividade, juízos, crítica, pensamento, sensopercepção, memória e de todas as demais funções psíquicas. É necessário ter-se sempre em mente que a Psiquiatria em nada difere das outras especialidades médicas quanto à necessidade intrínseca de se formular, sempre, uma hipótese diagnóstica para todos os casos, por mais complexos que possam parecer à primeira vista. Infelizmente não são poucos os casos nos quais o estabelecimento do diagnóstico parece dever-se apenas a uma necessidade burocrática de preenchimento correto da folha de anamnese ou de guia para convênio e que, na maioria das vezes, são tratados sintomatologicamente, ora com associações de polifarmácia excessivas e disparatadas e ora com monoterapias negligentes e insatisfatórias (1).

É objetivo do presente artigo enfatizar a importância do registro da apresentação do paciente psiquiátrico em geral como um elemento semiológico extremamente valioso para a formulação diagnóstica em todos os casos estudados, ainda mais se considerarmos que a Psiquiatria é a especialidade médica que conta exclusivamente com a perspicácia do registro fenomenológico e a experiência clínica do examinador como os pilares básicos para o estabelecimento de um diagnóstico correto e preciso.

Torna-se necessário acrescentar que o diagnóstico em Psiquiatria não pode ser grosseiro e impreciso. Ao contrário, deve-se sempre almejar a máxima precisão do diagnóstico psiquiátrico, considerando-se, como já dissemos, a escolha criteriosamente correta da conduta terapêutica que será efetivada posteriormente.

A Apresentação ou Impressão Geral:

Consideramos de fundamental importância o primeiro contato do examinador com o enfermo psíquico, durante o qual, através da agudeza de observação e profundidade de penetração psicológica, o médico procurará captar intuitivamente inúmeros detalhes esparsos, agrupando-os, em seguida, em um todo geral mais ou menos sintético de impressões e sensações que lhe ocorrem durante o decorrer da entrevista. Desse modo, o examinador deverá não somente ouvir as informações do paciente, mas também procurará ficar atento à sua ‘facies’, ou seja, semblante ou expressão fisionômica, à sua mímica, modo de falar e de responder às perguntas, maneira de andar, gestos, condições de higiene, apresentação do vestuário, ressonância e coerência afetivas, além do grau de cooperação que mantém durante a entrevista (2).

Assim, o médico poderá deparar-se com pacientes exibindo ‘facies’ inexpressiva ou ‘em máscara’ e mímica pobre, gestos estranhos (maneirismos e estereotipias), hostilidade despropositada ao contato verbal, más condições de higiene (suinismo), vestes desarrumadas ou inadequadas ou bizarras, lacônico ou em completo mutismo ou, ainda, verbalizando frases sem sentido lógico, mussitações (ato de falar sozinho cochichando), solilóquios (diálogos com um interlocutor imaginário), pára-respostas (respostas sem nenhuma relação com a natureza das perguntas), risos imotivados e atoleimados, incoerência ídeo-afetiva (rindo ao falar de acontecimentos trágicos ou o oposto) e permanência de membros ou partes do corpo em posições extravagantes e incômodas durante muito tempo.

Esses dados semiológicos são caracteristicamente encontrados nas esquizofrenias, mas não podem ser considerados como sintomas exclusivos e patognomônicos dessa enfermidade, desde que também podem ser detectados em outras entidades nosológicas psiquiátricas. Entretanto, quando os referidos sintomas estão associados a uma apresentação ou impressão geral de estranheza, de hermetismo e de taciturnidade sombria e enigmática, poderão constituir-se em elementos psicopatológicos decisivos para uma primeira hipótese diagnóstica de psicose esquizofrênica ou transtorno esquizofreniforme (2).

Nos serviços de urgência psiquiátrica poderemos encontrar as mais diversas apresentações clínicas dos transtornos mentais. Os esquizofrênicos em pleno broto psicótico, em geral, mostram-se agitados, delirantes, às vezes mussitando ou em animados solilóquios, denotando atividade alucinatória intensa. Em outras ocasiões, permanecem estranhamente frios, distantes, autísticos, com gestos bizarros e estereotipados. Outros enfermos apresentam-se hipercinéticos, deambulando sem parar, às vezes com as mãos postas, rezando em voz alta, cantando e gritando esporadicamente, os olhos desvairados no semblante patético (2).

As agitações psicomotoras muito intensas geralmente fazem suspeitar de episódio maníaco, mas nem sempre isso é verdade já que também podem ocorrer nos pacientes esquizofrênicos, esquizofreniformes e esquizoafetivos, bem como em alguns epilépticos. O mesmo se pode afirmar para as complicações psicóticas de alguns pacientes com transtornos da personalidade, especialmente os ‘borderline’, embora, segundo nossa experiência clínica, isso ocorra bem mais raramente (2).

O que efetivamente chama a atenção, pelo seu caráter inusitado e despropositado, são as modulações do comportamento dos enfermos esquizofrênicos em geral, mormente os catatônicos, atualmente pouco freqüentes em sua forma mais pura. Mesmo nos esquizofrênicos paranóides - notadamente naquelas formas mistas com componente catatônico ou nas formas clínicas hebefreno-catatônicas - podemos detectar, amiúde, tendências absolutamente antagônicas em suas atitudes e que podem alterar-se em questão de poucos minutos. Assim, se num dado momento o enfermo expressa uma sugestionabilidade aumentada sob a forma de obediência automática, em outro, logo após, poderá adotar uma atitude francamente negativista e hostil (2).

Aparentemente, um ponto de contato externo entre a catatonia e o transtorno bipolar encontra-se representado pelo fato de que naquela condição clínica se observarem, também, estados de excitabilidade motora persistentemente aumentada ou diminuída. Com efeito, os catatônicos exibem, às vezes, violentas e duradouras excitações motoras. Essas manifestações clínicas agudas e dramáticas eram muito comuns até duas décadas atrás nos grandes hospitais públicos e privados, mas tornaram-se cada vez mais raras hoje em dia graças, em grande parte, à eficácia terapêutica das novas drogas anti-psicóticas. De qualquer maneira, ainda que raramente, ainda nos deparamos esporadicamente com tais quadros clínicos e, mesmo que essas manifestações sintomatológicas já não sejam costumeiramente de tamanha intensidade, os doentes continuam a apresentar agitação, negativismo e incoerência como sintomas típicos dessas condições patológicas.

Nas clássicas excitações catatônicas - que nós mesmos já tivemos oportunidade de assistir infindáveis vezes em um hospital público estadual de grande porte como psiquiatra assistente de enfermaria - os enfermos gritam, mordem, golpeiam, agitam-se, destroem tudo o que encontram pelo caminho, correm de um lado para o outro ou executam, por longo tempo e sem declínio de sua energia, os mais absurdos movimentos estereotipados. Ao contrário do comportamento da maioria dos maníacos, quase nunca o médico consegue entabular o mais leve diálogo com eles, mantendo-se absolutamente impermeáveis ao meio ambiente e sustentando a agitação ainda que isolados (3), fato que traduz uma acentuada perda do contato vital com a realidade.

Essas verdadeiras explosões motoras causam-nos a impressão de serem fruto de uma descarga elementar, incompreensível, sem motivação psicológica, ao contrário dos pacientes maníacos que, posteriormente, tentam explicar seus episódios de agitação com os mais variados argumentos, mas sempre dotados de verossimilhança (ex: estavam inconformados com a internação, queriam ser transferidos de ala, tinham sido provocados por outros pacientes, etc.). Em contraste, os enfermos catatônicos dizem que agiram daquela maneira porque não puderam agir de outro modo. Com maior freqüência, relatam um impulso positivo e inesgotável para movimentar-se e dizem sentir-se obrigados a manifestar certas expressões mímicas anômalas, tal como, por exemplo, rir sem que tenham vontade (3).

Tão incompreensível como os transtornos que acabamos de mencionar, há o seu oposto, ou seja, a acinesia, também denominada interceptação. Diferentemente do estado de inibição - do qual o melhor exemplo é a melancolia - onde as representações sucedem-se lentamente e o pensamento, assim como a ação, é acompanhado de um íntimo sentimento de pesadume e de dificuldade, na interceptação há a interrupção brusca de um determinado curso associativo ou de um impulso voluntário. Na verdade, os movimentos catatônicos não somente aparecem lentificados, mas, também, causam a impressão de estarem dificultados ou anulados por influências ou impulsos contrários (3).

Por exemplo, isoladamente, a interceptação pode manifestar-se sob a forma distorcida do enfermo estender sua mão em um cumprimento. Os pacientes esboçam o propósito de querer fazê-lo, mas o braço não se afasta de seu tronco, pois todo o impulso, inclusive quando não pré-existia o mais leve espasmo ou hipertonia muscular no membro correspondente, é contraposto por outro de igual intensidade e de valência contrária.

Em outro exemplo, o doente pode, subitamente, parar, estancar todo um complexo movimento direcionado para uma ação pré-determinada e permanecer com o semblante carregado de perplexidade, balançando-se monotonamente sobre si mesmo no mesmo lugar durante muito tempo (2).

Nos quadros de estupor catatônico, não somente os pacientes deixam de reagir às influências do meio ambiente, mas também não se detecta neles sequer a mínima intenção de reagir a qualquer estímulo, sendo que até aqueles de natureza dolorosa provocam apenas uma ligeira alteração mímica e um leve movimento de defesa. Os pacientes retêm suas excreções ou evacuam e urinam no próprio leito, apresentam-se prostrados e relaxados com manifesta hipotonia muscular ou, mais freqüentemente, rígidos e em posições incômodas que mantêm durante muito tempo. Às vezes a cabeça se acha suspensa, a uma certa distância do travesseiro, sendo que tal fenômeno pode durar horas (sinal do ‘travesseiro invisível’), os dentes e lábios cerrados convulsivamente, assim como as pálpebras e olhos. Além disso, os enfermos não deglutem espontaneamente nada, exceto sua saliva, recusando obstinadamente qualquer tentativa que se lhes faça no sentido de aceitarem ingerir alimentos ou líquidos, cerrando fortemente a arcada dentária e exibindo um negativismo passivo sem limites (3).

Por vezes, o negativismo é ativo e o enfermo recusa-se a sentar e conversar com o médico ou, mesmo, parece ignorar completamente os chamados da enfermagem e, em casos extremos, dirige impropérios e dá as costas ostensivamente ao examinador, afastando-se rapidamente. Em outras ocasiões, o paciente senta-se diante do examinador e permanece em completo mutismo, semblante inexpressivo e olhar distante e vago (‘olhar de visionário’). Algumas vezes, o enfermo exibe sorrisos ou risos imotivados e atoleimados ou, mesmo, mussitações rápidas que procurará dissimular e ocultar do médico, colocando uma das mãos na boca em forma de concha. Por inúmeras vezes tivemos a oportunidade de surpreender muitos pacientes nessa atividade - que denuncia fenômenos alucinatórios auditivos - enquanto fazíamos anotações no prontuário e, tão logo erguíamos o olhar e registrávamos o referido fenômeno, eles apressavam-se em disfarçar o ocorrido, negando peremptoriamente que lhes tivesse ocorrido qualquer tipo de perturbação. Também é possível que esses enfermos comecem a murmurar algo em voz baixa com o examinador e, inopinadamente, passem a gritar e a agitar os braços, demonstrando uma angústia e inquietação completamente incompreensíveis. Podem começar a rastejar pelo chão, a andar rapidamente ou, mesmo, a correr sem motivos aparentes, emitindo frases inarticuladas ou, ainda, sorrir ou gargalhar de modo insólito e absurdo (2).

Em alguns casos, os enfermos estuporosos catatônicos costumam exibir, ainda nos dias de hoje, uma maleabilidade especial e intrigante de seus membros que, por lembrar a consistência da cera, é designada com o nome de ‘flexibilidade cérea’. Nos casos puros, os membros (e mais concretamente, os músculos) comportam-se analogamente à cera, o que permite todo tipo de flexão, não obstante uma certa resistência. Essas atitudes anômalas, passivamente provocadas, são conservadas e assim podemos chegar a manter os braços e as pernas dos enfermos nas mais inverossímeis posições até que, por esgotamento físico, comece a ceder a atitude muscular e os membros caiam lentamente (3). É importante assinalar que esse fenômeno pode manifestar-se de forma mais sutil em procedimentos mais delicados. Assim, BLEULER (3) propõe que, ao tomar o pulso do paciente, o médico levante sua mão do leito; ao retirar sua própria mão, o examinador observará que o paciente manterá a dele nessa posição durante um certo tempo ao invés de deixá-la cair naturalmente e de modo imediato, como fazem as pessoas normais. Isso corresponde a uma ‘viscosidade’ muscular aumentada e que pode auxiliar o estabelecimento da hipótese diagnóstica de catatonia.

Em outros casos, o enfermo efetua a repetição sem sentido das palavras recém-ouvidas (ecolalia) ou leva a termo a repetição imitativa de movimentos vistos, tais como bater palmas, levantar os braços ou colocar a língua para fora (ecopraxia).

Outra característica importante das esquizofrenias com componente catatônico consiste na presença de movimentos extravagantes que se distinguem, sempre, pelo seu caráter amaneirado e rígido, por uma espécie de afetação grosseira e inadequada, como, por exemplo, pelas particularidades singulares de uma saudação, pela forma especial de um aperto de mão, etc. KRAEPELIN (3) já assinalava que um dos primeiros sintomas observados na doença é, precisamente, a perda da naturalidade do fluxo espontâneo dos movimentos usuais e que é notada pelo próprio enfermo como uma diminuição progressiva da segurança, da facilidade e da elasticidade daqueles. Os movimentos extravagantes da síndrome catatônica são multiformes e incluem quase todas as distorções possíveis e imagináveis. Assim, um enfermo mantém sua cabeça inclinada para um lado e, em contrapartida, gira seus olhos para a direção oposta. Outro levanta ao máximo sua mão e funde sua cabeça no tórax. Um terceiro caminha com as mãos e dedos completamente estendidos diante de si. Quando há a manutenção invariável de tais movimentos anômalos, o fenômeno já pode ser designado com o termo ‘estereotipia’. Dessa maneira, certas caretas ou movimentos complexos e bizarros que se mantêm durante meses podem ser designadas desse modo. Um especial destaque deve ser concedido a uma forma particular de careta, na qual há uma protusão dos lábios à maneira de uma espécie de focinho (‘focinho catatônico’). Outra manifestação de estereotipia verbal consiste na ‘verbigeração’, fenômeno que é caracterizado pela pronúncia de palavras absolutamente incompreensíveis e que são verbalizadas com uma entonação uniforme e monótona, às vezes com um sentido declamatório e patético (3).

A mímica desses enfermos, quando não é toldada por expressões estranhas de todos os tipos e a que se dá o nome de ‘paramimias’ (caretas inusitadas e contrações faciais), é, ordinariamente, marcada pela absoluta inexpressividade (‘amimia’) e por uma aparente impassibilidade e imperturbabilidade diante dos estímulos do meio ambiente. Isso reflete um comprometimento e um embotamento da afetividade, proporcionalmente à perda do contato vital com a realidade que acomete esses pacientes (2).

A apresentação clássica dos pacientes em franca fase maníaca corresponde a de um tônus afetivo aumentado que reflete uma elevação excessiva e anômala do humor ou da disposição de ânimo básica. Desse modo, os doentes manifestarão loquacidade, taquipsiquismo, fuga de idéias, inquietação, tom do discurso jocoso, brincalhão ou, mesmo, irritadiço ou colérico, vestes inadequadas ou amarfalhadas, maquilagem exagerada nas mulheres, atitude grosseiramente sedutora, verbalização de rimas, de ditos e de palavras ou frases por um fluxo ininterrupto e contínuo de associação por assonância (semelhanças fonéticas entre os vocábulos). Quando a elevação anômala do humor é excessiva, os enfermos podem chegar ao serviço de urgência falando alto sem parar, com chistes sexuais grosseiros, jocosos ou aos gritos, ameaçadores, agressivos, extremamente loquazes, tentando intimidar o médico com bravatas grotescas e inverossímeis, agitados e exaltados (2).

Naquelas formas clínicas de mania que são acompanhadas por sintomas psicóticos, os pacientes podem apresentar-se exaltados e com ideação paranóide, sentindo-se ameaçados e perseguidos ou, ainda, manifestar as mais variadas e inverossímeis convicções de grandeza e, até, de enormidade.

Em outros casos, mais raramente, o paciente pode apresentar-se confuso, desorientado, com nítida alteração do nível da consciência ou, mesmo, francamente estuporoso. Em casos excepcionalmente raros, o paciente maníaco pode evidenciar uma notável inibição da psicomotricidade, apresentando-se imóvel e em absoluto mutismo. Essa grande diversidade da morfologia clínica dos quadros maníacos sempre foi objeto do estudo e da descrição dos autores clássicos, correspondendo aos conceitos kraepelinianos de ‘mania confusa’, ‘estupor maníaco’ e ‘mania inibida’ (4).

Na depressão maior, caracteristicamente, o paciente apresentar-se-á cabisbaixo, semblante melancólico, olhar triste, emagrecido, abatido, perseverativo em relação a idéias de culpa, ruína, de enfermidade e morte, bradipsíquico, exibindo graus variáveis de inibição da psicomotricidade, choro fácil ou, ainda, relatando uma inusitada “frieza” ou um “sentimento de falta de sentimento”, por vezes com idéias de auto-extermínio e de completa desesperança. O quadro melancólico poderá ser acompanhado de sintomas psicóticos, com um colorido paranóide ou de idéias delirantes de negação. A severidade da doença também poderá induzir estados de semi-estupor ou verdadeiras condições de estupor melancólico, nas quais o enfermo permanecerá imóvel e restrito ao leito, rechaçando qualquer abordagem do médico e recusando alimentos e líquidos (2).

Nos quadros mistos, onde coexistem uma elevação anormal do humor ao lado de sintomas depressivos, os pacientes mostram uma significativa labilidade emocional de caráter flutuante, sob a forma de crises de choro ocorrendo quase simultaneamente a uma espécie de exaltação irritável e angustiosa acompanhada de acentuada inquietação motora. A essa emergência simultânea de sintomas depressivos e hipertímicos se dá o nome de ‘disforia’. Não raramente, esses quadros são erroneamente diagnosticados como “depressões ansiosas” e, também, tratados equivocadamente.

Por vezes, o paciente poderá apresentar-se com ‘facies’ ou semblante denotando perplexidade, com evidentes déficits mnêmicos, desatento, com dificuldade para concentrar-se naquilo que lhe é indagado, desorientado no tempo e espaço, vocabulário escasso, hesitante, com atitudes vagas ou francamente incoerentes. Diante disso, o médico sempre deverá suspeitar de transtorno mental com fundamento orgânico constatável, agudo ou crônico, de acordo com os dados da história da moléstia atual. Os casos agudos tratam-se, habitualmente, de delirium e os crônicos de demência (2).

Aqueles indivíduos com transtorno anti-social da personalidade (5) costumam tentar conduzir a entrevista, procurando manipular e seduzir o examinador e minimizar a gravidade de seus distúrbios de comportamento, desqualificando os sentimentos alheios e sempre culpando outras pessoas pelos seus atos irresponsáveis através de inúmeras racionalizações, desde que são incapazes de vivenciar sentimentos de culpa, vergonha ou remorso (‘embotamento ético ou moral’) (6). Podem ser muito envolventes, sedutores e notavelmente convincentes, já que costumam ser dotados de uma boa fluência verbal. Esses indivíduos geralmente expressam, além de uma notável desfaçatez e cinismo, uma absoluta indiferença pelo sofrimento alheio e, não raro, demonstram uma singular altivez e arrogância no trato com as outras pessoas .

O transtorno histriônico da personalidade (5) é marcado pela teatralidade, manipulação e coquetismo no decorrer da entrevista. A afetividade é superficial e não verdadeiramente genuína e as supostas efusões de sentimentos íntimos carregam um tom indisfarçável de artificialidade. Nota-se, no todo da personalidade, uma acentuada imaturidade e um nítido egoísmo, com ênfase para caprichos tolos e pueris, uma tendência para gostos supérfluos e banais. Esses indivíduos, não raro, tiranizam os cônjuges, filhos e demais familiares com as suas manipulações teatralizadas com o único objetivo de se manterem como o centro das atenções e, assim, conseguirem obter as vantagens afetivas e materiais desejadas (3). Muitas vezes, verbalizam seus sofrimentos íntimos e queixas com espantosa tranqüilidade e indiferença (‘bèlle indiférénce’), por exemplo, quando discorrem com afetação sobre seus “grandes sofrimentos” com o cônjuge e a família ou quando padecem de um transtorno conversivo agudo que lhes tenha acarretado perda ou prejuízo transitório de uma função sensório-motora (2).

A propósito disso, os pacientes que exibem um transtorno conversivo chegam ao médico com toda sorte de manifestações clínicas: paralisias, convulsões, paresias, anestesias, cegueiras, escotomas, etc. Aqueles com dissociação apresentam-se com amnésia para dados biográficos importantes e de sua própria personalidade, chegando a assumir uma outra identidade. Nos serviços de urgência psiquiátrica, esses quadros conversivos e dissociativos são acompanhados, na maior parte das vezes, de grande ansiedade e agitação psicomotora (2).

Os pacientes que padecem de transtornos de ansiedade (5) podem apresentar-se de várias maneiras, dependendo do distúrbio em questão. Aqueles com transtorno de ansiedade generalizada mostram-se constantemente inseguros, hesitantes, voz vacilante, pálidos, com queixas de palpitações, extremidades frias e trêmulas, além de sudorese palmar ou generalizada. Os fóbicos manifestarão os mesmos sintomas de hiper-atividade autonômica quando expostos às situações temidas, sejam elas circunstâncias ou interações sociais, objetos, animais, determinadas experiências específicas, etc. Os enfermos obsessivo-compulsivos raramente expõem seus rituais publicamente e, quando não conseguem evitar sua realização, procuram dissimulá-los e disfarçá-los ao máximo.

As pessoas acometidas de transtorno do pânico raramente chegam ao serviço de urgências psiquiátricas, desde que seus sintomas agudos e paroxísticos de ansiedade podem fazê-las crer que estão sendo acometidas por um ataque cardíaco ou mal súbito grave. Apresentam taquicardia, extremidades frias, sensação de asfixia ou sufocação e extremo pavor, acreditando que estão próximos da morte ou que estão enlouquecendo. Podem ocorrer, também, episódios agudos e amedrontadores de despersonalização. Esses pacientes costumam mostrar-se pálidos, trêmulos, com o semblante assustado ou demonstrando extrema angústia e insegurança. Grande número desses doentes procuram serviços de urgências clínicas onde, na maior parte das vezes, são erroneamente diagnosticados e tratados (2).

Os pacientes portadores de retardo mental (oligofrênicos) com complicações psicóticas podem mostrar-se muito agressivos, impulsivos, toscos e brutais, embora na maior parte das vezes ajam como crianças turbulentas, demonstrando pavor incontrolável ou uma espécie de puerilidade travessa, grosseira e inadequada (2).

Finalmente, aqueles pacientes com delirium tremens costumam ser facilmente reconhecidos pelo clínico. Além do relato de ingestão contínua e maciça de álcool, apresentam-se extremamente trêmulos, sujos, emagrecidos, ‘facies’ pletórica e infiltrada, olhos injetados, voz hesitante, assustadiços, difusamente excitáveis e, muitas vezes, evidenciando atividade alucinatória visual ou auditiva. Em determinadas ocasiões, coçam-se estranhamente e dão tapas no corpo ou parecem querer palpar algo nas paredes, no chão e na mesa, procurando espantar ou capturar insetos, seres ou objetos alucinados. Outras vezes, principalmente à noite, aparentam visualizar cenas ou animais terroríficos, demonstrando grande pavor e apresentando sudorese profusa e alterações significativas da condição médica geral (2).

Concluindo, temos que relembrar e concordar com o velho adágio da medicina geral e que se mantém atual até os dias de hoje: “O diagnóstico do paciente começa a ser estabelecido no exato momento em que ele entra no consultório médico”.

Isso é especialmente verdadeiro para a medicina psiquiátrica, desde que é na apresentação do paciente com transtornos mentais - tanto no primeiro contato como nos subseqüentes - que reside a primeira e, talvez, principal chave para a formulação do diagnóstico correto e preciso e que, muitas vezes, se constitui em um verdadeiro desafio ao talento e à experiência clínica daqueles que se dedicam à mais difícil e complexa especialidade médica, ou seja, a Psiquiatria.

Summary:

The patient´s presentation with psychiatric disorders has important value for the first doctor´s diagnosis impression. The phenomenological point of view in the diagnosis criteria is considered.

Key Words:

Psychopatology, presentation, diagnosis, phenomenology.

Referências Bibliográficas:

1- SOUZA, G.F.J. : “Lições de Psicopatologia da Clínica Cotidiana: Dois Casos Clínicos” – Jornal Mineiro de Psiquiatria, Ano IV, nº 14, Belo Horizonte, outubro de 2000.

2- SOUZA, G.F.J. , DAKER, M.V. : “O Exame Psíquico na Clínica Psiquiátrica” – Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina da UFMG (Em elaboração e preparo para publicação).

3- BUMKE, O. : “Tratado de las Enfermedades Mentales”. Francisco Seix-Editor, Barcelona, 1917.

4- KRAEPELIN, E. : “Psychiatrie: Ein Lehrbuch für Studirende und Aerzte”. Barth, Leipzig, VI, Aufl., 1899.

5- AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – DSM-IV : “Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais”. Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 4ª edição, 1995.

6- DELGADO, H. : “Curso de Psiquiatria”. Editorial Científico-Médica, 5ª edição, Barcelona, 1969.